29/04/2021

Caixas de fósforos (29)

Já aqui falei da tendência da minha mãe, por razões insondáveis, de me trazer sacas de tralha que ela tem em casa, como se eu tivesse uma arrecadação do tamanho da biblioteca nacional. Incomoda-me i-men-so. A caixinha de hoje são estas duas fotos:





Na de cima, da esquerda para a direita, a minha avó Lurdes, a minha tia Clara, senhora dona minha mãe e a minha tia Nené. Não sei quem é o cão da foto da direita, mas claramente preferia estar noutro sítio que não nos braços da minha mãe. Adiante. Estas fotos estão todas mais ou menos atiradas à balda para dentro de três pastas como esta (e às quais voltarei amiúde):



(vamos não ligar às migalhas e restos de tabaco na toalha, sim? Entretanto já a sacudi)
Vivi alguns anos com os meus avós maternos e tenho, portanto, muito mais afinidades com eles do que com o lado paterno da família. A minha avó era uma acumuladora desaustinada (até potes de iogurte — lavadinhos, claro — encontrámos quando nos tivemos de desfazer da casa onde viviam). O meu avô um personagem de desenho animado; era, aliás, muito parecido com o Mister Magoo. E há pontos de ligação entre o meu avô e o meu pai. O meu bisavô era um juiz daqueles todos importantes (foi  presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 1934 a 1947, em pleno Estado Novo); o meu tio-avô, que aparece nas fotografias mais abaixo, era o irmão mais velho e, mandaria a tradição, devia ter seguido as pisadas do meu bisavô. Em vez disso, meteu-se na Marinha de Guerra e dele só me lembro que tinha uma linguagem bastante colorida (para grande arrepio da minha mãe, das poucas vezes que o visitámos). Acontece que o meu avô, de que me lembro sempre ou de volta da máquina de escrever (as mãos tremiam-lhe desde os 20 e poucos anos) ou de volta de engenhoquices numa salinha ao fundo da casa, decidiu seguir Direito para fazer a vontade ao pai. 
Também o meu pai era homem de engenhocas, mais interessado em carros e em mecanismos do que em Direito Internacional. E também ele seguiu Direito para provar ao seu pai (advogado) que não era menos que os seus dois irmãos mais velhos, ambos formados em leis. 
Nem sei porque é que estou a contar esta história — acho que me faz impressão esta coisa de tomar decisões em função das expectativas dos outros. 

Voltando à foto inicial. A minha avó era uma fixe. Gostava de se deitar e levantar tarde, ficava a ler a sua colecção Vampiro até de madrugada. Em nova, engravidou de um fulano que depois não quis casar. O escândalo! A vergonha! O meu avô Américo, anos mais tarde, apaixonou-se por ela e decidiu, contra tudo e todos, assumir a relação e a filha. Tenho, nesta pasta, um diário dele onde vai dando conta do processo e é tão bonito de se ler, naquela sua escrita todo milimétrica (não a caligrafia mas o relato desapaixonado dos factos), como decidiu borrifar-se para as expectativas e seguir o que lhe ia no coração. (Já falei dele aqui, e dei-me conta de que me repeti bastante, neste post, e que estou a ficar xexé e epá não me chateiem, a pandemia e as dores nas costas, tá?)











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