10/04/2020

Caixas de fósforos (9)

Não exagero se disser que as duas pessoas mais importantes na definição disto que é agora a minha vida (seja lá isso o que for), com quem mais aprendi, que mais generosas foram na partilha de conhecimento, entusiasmo, coisas novas, foram o Olímpio (que já aqui referi) e a Catarina.

O Olímpio era namorado da Mariana, amiga e colega de faculdade/associação de estudantes. Um dia, fui com a Gabriela (e talvez o Zé, não me lembro bem) ver a Quadrofonia do Tempo, no CCB, naquela coisa do Festival dos 100 dias que precederam a Expo'98. Foi um concertão do caraças e fizemos o caminho a pé de Belém ao Bairro Alto, rumo às Catacumbas. A Gabriela era doida varrida pelo Sassetti, note-se. Chegámos às Catacumbas, do Manel, e estava lá a malta do costume da FCSH. Isto ainda era na altura em que as Catacumbas tinham uma zona de tasca, toda ela fórmica e azulejo branco, e umas portas basculantes à salão de cowboy que davam para uma sala escura, cheia de fumo e cheia de jazz e blues. Nessa noite, portanto, chegámos todos eléctricos, vindos de um concerto do caraças, e o Olímpio estava lá, e nós (a Gabriela, a Ana, eu, o Zé) andávamos a magicar uma espécie de associação chamada Jazzanova com o objectivo de fazer concertos e parlapiés à volta do jazz (falarei disso noutra altura). Palavra puxa palavra, o Olímpio diz «pá, eu conheço o Bábá». É a primeira, de muitas, memória que tenho do Olímpio.

A Catarina é uma personalidade pública (tenho de dizer isto para que a história faça sentido). Em Janeiro de 2000, fui à cinemateca ver o Farhenheit 451, do Truffaut. Enquanto espero, sentadinho no meu lugar, a Catarina passa por mim e tive um daqueles momentos à filme: ficou tudo silencioso na minha cabeça) e desfocado nas bordas. Poderá ter sido uma paragem cardíaca, não sei. Como isto ainda era numa altura em que havia listas telefónicas, e como sabia o nome dela, quando cheguei a casa fui procurá-la e havia duas: uma na Damaia e outra na Lapa. Arrisquei a Lapa. Escrevi-lhe uma carta e gravei-lhe uma cassette (sim, ainda era na época das cassettes), que enfiei no correio no dia a seguir. E a história poderia ter ficado aqui.

Acontece que mês e meio depois fui para os copos com o Olímpio, na Bica. Lá em baixo, no largo, havia uma coisa chamada o Bar da Sofia. Entrámos e pumbas, quem é que lá estava? A Catarina. Enchi-me de coragem (isto é estúpido, eu sei), fui lá bater-lhe no ombro e perguntei-lhe «gostaste da cassette?». Não me lembro da resposta mas ela riu-se muito, nessa noite ficámos a ouvir a Lula Pena a cantar no bar, já de portas fechadas, até de madrugada e eu fui para casa todo contente. Mesmo muito contente. Nunca se passou nada (obviamente), mas ficámos amigos.

Isto tudo para chegar à caixa de fósforos de hoje. Numa das muitas conversas que tivemos, a Catarina falou-me no Joaquim Figueiredo Magalhães, editor da Ulisseia e amigo dela. Como era frequente nessas ocasiões, respondi com um «hm, não conheço» e vai de me dar a conhecer, entre outras coisas, a Ulisseia, o Almanaque e o Sebastião Rodrigues, e me abrir todo um mundo, uma história, das artes gráficas em Portugal. Os desenhos do Sebastião Rodrigues, aquela coisa dele com o jazz, fizeram-me andar à procura dos exemplares do Almanaque que conseguisse. E aqui estão.



















E agora links:

Sobre o Almanaque: este artigo no Expresso, esta entrada na Wikipedia, na Hemeroteca (com link para a versão digitalizada)

Algumas capas da Ulisseia

Sobre o Sebastião Rodrigues: na Wikipedia, no tipografos, este programa na RTP, e este texto do Pedro Piedade Marques, editor da Montag, sobre o catálogo da exposição na FCG. (e este)

O Mário Moura também fala frequentemente do Sebastião Rodrigues (e aconselho vivamente este livro). E este blog dele, que é sempre bom alimento para a massa cinzenta.


Nota: só referi, quanto ao Almanaque, o lado gráfico (foi o que primeiro me chamou a atenção), mas a verdade é que era coordenado pelo Cardoso Pires e tinha como colaboradores malta como o O'Neill, o Abel Manta, o Pulido Valente, entre muitos outros. Uma pérola.

2 comentários:

Patrícia Ricardo disse...

História, e estórias mais bonitas.
Estas capas são do caraças... <3

Pedro Serpa disse...

<3