Para mim, o mais importante na tragédia é o sexto acto:
o ressuscitar no campo de batalha,
o agitar das perucas e dos trajes,
o arrancar da faca do peito,
o tirar da corda do pescoço,
o dispor-se na fileira entre os vivos
de cara voltada para o público.
As vénias individuais e colectivas:
a mão branca sobre a ferida no peito,
o reverenciar da suicida,
o acenar da cabeça cortada.
As vénias aos pares:
a fúria dando o braço à brandura,
a vítima trocando um olhar doce com o carrasco,
o rebelde sem rancor acertando o passo com o tirano.
O pisar da eternidade com a biqueira da botina dourada.
O escorraçar da moral com a aba do chapéu.
A incorrigível prontidão de recomeçar amanhã.
A entrada em fila indiana dos mortos
nos actos terceiro, quarto e nos entreactos.
O milagroso retorno dos desaparecidos sem notícia.
Pensar que esperavam pacientemente nos bastidores,
sem tirarem as vestes,
sem limparem a maquilhagem,
comove-me mais do que as tiradas trágicas.
Porém, o mais sublime é o cair do pano
e o que se avista através da fresta minguante.
Aqui, uma mão apressa-se para chegar às flores,
acolá, uma outra apanha a espada caída.
Por fim, uma terceira mão invisível
cumpre o seu dever:
aperta-me a garganta.
(amanhã explico o título deste post)
(p.s. este poema está num livro que foi, finalmente, reeditado pela Relógio D'Água)
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